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Antuérpia começa a sair do seu "inverno"

Antuérpia teve um dia de céu azul na terça-feira. Houve quem comemorasse o tempo bom apesar do frio - cerca de 4 graus - depois de um dos invernos mais rigorosos na Europa em décadas. No porto de Antuérpia, que dá fama à cidade no norte da Bélgica, os piores dias também parecem estar ficando para trás. Começam a surgir sinais de recuperação depois de a crise econômica mundial ter feito cair de forma dramática a movimentação de cargas não só em Antuérpia, mas nos principais portos marítimos europeus, em 2009.


No principal porto belga e o segundo maior da Europa, atrás de Rotterdã, na Holanda, janeiro foi melhor que o mesmo mês do ano passado. A expectativa para 2010 é crescer entre 3% e 5% em relação a 2009. "Mas ficamos satisfeitos com algo entre 1% e 3%", diz Albert Pegg, consultor externo do porto de Antuérpia.
Em 2009, Antuérpia movimentou 157,8 milhões de toneladas, com queda de 16,7% em relação às 190 milhões de toneladas que passaram pelo porto em 2008. O número de contêineres caiu 15,6% no ano passado e ficou em 7,3 milhões de TEUs (contêiner equivalente a 20 pés). Em 2008, o porto movimentou 8,4 milhões de TEUs. Em 2007, Antuérpia havia registrado um crescimento de 14% no volume de contêineres.
"Esperamos um ligeiro crescimento para 2010", diz Pegg. Com a crise, que afetou o comércio mundial e, por consequência, os volumes de carga nos portos, Antuérpia voltou em 2009 aos níveis de movimentação de 2005. "Perdemos cinco anos de crescimento. Isso significa que, possivelmente, precisamos cinco anos para conseguir o mesmo nível de 2008", avaliou Annick Dekeyser, coordenadora de marketing e promoção do porto de Antuérpia.
Ao percorrer o porto de Antuérpia, é possível ver sinais da crise. Um dos mais evidentes é a fábrica da Opel, fechada por decisão da GM. A área da montadora no porto tem cerca de 40 hectares e Annick disse que ainda não se sabe o que acontecerá com as instalações da fábrica.
Outro aspecto que se destaca em Antuérpia, este positivo, na vasta área do porto - de norte a sul são 30 quilômetros de extensão -, é a enorme infraestrutura logística. Ao percorrer as estradas do porto os centros de distribuição se sucedem quase de forma ininterrupta, um atrás do outro.
Em Antuérpia, o tráfego de caminhões é intenso e há mil quilômetros de ferrovias dentro do porto, um dos principais "clusters" petroquímicos do mundo ao lado de Houston, nos Estados Unidos, e de Cingapura. No total, há cinco refinarias no porto, quatro em operação.
A oferta logística de Antuérpia, às margens do rio Schelde, a cerca de 80 quilômetros do Mar do Norte, confirma a vocação da região de Flandres (uma das três regiões da Bélgica) como um grande centro de distribuição para o mercado europeu. O Brasil está entre os cinco principais clientes de Antuérpia, atrás dos Estados Unidos e Inglaterra.
Francis Rome, diretor de relações externas do Instituto de Logística de Flandres, diz que a região oferece a oportunidade de atingir 500 milhões de consumidores nos 27 países que fazem parte da União Europeia (UE).
"Flandres está no coração da Europa", afirma. Cerca de 60% do poder de compra da Europa está em um raio de 500 quilômetros de Flandres, diz Rome. Flandres está conectada com a Europa via trem, hidrovias e rodovias, sobretudo para grandes mercados consumidores como França e Alemanha.
Segundo Rome, estudo da consultora Cushman & Wakefield, de 2008, coloca a Bélgica como o país mais atrativo para se investir em atividades de distribuição e logística, à frente mesmo da Holanda, vizinho e principal concorrente logístico dos belgas.
Os portos de Antuérpia e Ghent (este a cerca de 50 quilômetros de Bruxelas) têm acesso, por hidrovia, desde o Mar do Norte, via território holandês. É uma condição geográfica que até hoje motiva longas negociações bilaterais quando é preciso construir novas eclusas para permitir o acesso de navios maiores aos portos belgas.
Segundo Rome, a Bélgica tem ficado em primeiro lugar no ranking de atratividade da Cushman & Wakefield pela média obtida em uma série de fatores como custo da terra e da mão de obra e pela oferta de infraestrutura. Também presidente da Comissão dos Portos de Flandres, Rome diz que Antuérpia, Ghent e Zeebruges (os três principais portos de Flandres) têm previstos investimentos de € 2,5 bilhões nos próximos quatro ou cinco anos, sendo parte dos recursos utilizados para construção de novas eclusas.
Rome é um dos que acreditam em uma recuperação lenta e gradual dos volumes de carga nos portos como resultado da retomada do comércio mundial. "A recuperação da economia na Europa está relacionada em certa medida à redução dos déficits (fiscais)."
O crescimento gradual no movimento dos portos belgas parece ser um consenso entre especialistas do setor em Flandres. É um otimismo moderado. Depois de um 2009 tão ruim, os sinais de recuperação animam. Albert Pegg, o consultor de Antuérpia, esteve em Cingapura há um mês e voltou com a impressão, reforçada pelo forte tráfego de mercadorias na Ásia, que os asiáticos parecem não ter ouvido falar da crise.
Operadores logísticos e autoridades portuárias de Flandres, responsável por 80% das exportações belgas, concordam que o comércio mundial está voltando a se recuperar, mas ainda há incertezas no horizonte. "Não sabemos o que a economia mundial trará nos próximos meses. O sistema financeiro ainda não está estável e choques podem ocorrer", diz Christophe Peeters, presidente do conselho do porto de Ghent. Em Ghent , onde o principal cliente do tráfego marítimo é o Brasil com produtos como suco de laranja e minério de ferro, o fluxo de cargas marítimas caiu 21% no ano passado em relação a 2008.
O porto de Ghent movimentou cerca de 21 milhões de toneladas de cargas via marítima no ano passado. Ghent também opera cargas só por hidrovia para o interior da Europa. No auge da crise, em maio e junho de 2009, Ghent teve queda de 46% em relação a igual período do ano anterior. A partir do quarto trimestre de 2009, a situação já começou a melhorar no porto
Na festa de fim de ano, o presidente-executivo do porto de Ghent, Daan Schalck, disse aos empregados que a ambição para 2010 era crescer 15% sobre 2009, o que significa chegar a 24 milhões de toneladas de carga no transporte marítimo.
Ontem, em entrevista com jornalistas brasileiros na sede do porto, Schalck disse que mantém a previsão. Ela se sustenta no fato de a ArcelorMittal ter decidido colocar em operação um dos altos fornos que havia sido desativado durante a crise na usina de Ghent, localizada junto ao porto e que é uma das maiores siderúrgicas integradas da Europa.
As importações de carvão metalúrgico e minério de ferro da ArcelorMittal representam cerca de um terço do volume total movimentado pelo porto de Ghent. Em condições normais, a siderúrgica movimenta em Ghent cerca de 7 milhões de toneladas dos produtos por ano, mas em 2009 foram apenas 3 milhões de toneladas. Para Antuérpia, a retomada de outra usina da ArcelorMittal, em Liège, também tem um papel importante na recuperação dos volumes de carga no porto.
*O repórter viajou a convite da Flanders Investment & Trade.

Por
VALOR ECONÔMICO
4 March 2010